Poder Vinculado e Discricionário
Nos estudos sobre o Regime Jurídico Administrativo, visualizamos dois princípios, os chamados supraprincípios ou superprincípios, os quais apresentam uma dualidade permanente no exercício da função administrativa:
a) supremacia do interesse público sobre o privado (reflete os PODERES DA ADMINISTRAÇÃO): significa que os interesses da coletividade são mais importantes que os interesses individuais, razão pela qual a Administração, como defensora dos interesses públicos, recebe da lei poderes especiais não extensivos aos particulares.
b) indisponibilidade do interesse público (reflete os direitos dos administrados e os DEVERES DA ADMINISTRAÇÃO): significa que os agentes públicos não são donos do interesse por eles defendido. Assim, no exercício da função administrativa os agentes públicos estão obrigados a atuar, não segundo sua própria vontade, mas do modo determinado pela legislação.
A regra é de que os poderes administrativos sejam concedidos por lei, destinando-se a instrumentalizar o administrador público para o atingimento do objetivo finalístico a que se presta o Estado: a satisfação dos interesses públicos. Os poderes administrativos são inerentes à Administração Pública e possuem caráter instrumental, ou seja, são instrumentos de trabalho essenciais para que a Administração possa desempenhar as suas funções atendendo o interesse público. Os poderes são verdadeiros poderes-deveres, pois a Administração não apenas pode como tem a obrigação de exercê-los. Daí o entendimento de que os poderes administrativos são irrenunciáveis.
Por outro lado, impõe-se aos agentes públicos, de modo geral, uma série de deveres, que correspondem, em certa medida, a poderes-deveres. Por protegerem interesses de todos, os agentes públicos encarregam-se de variados deveres, por exemplo, o de AGIR, o de OBEDIÊNCIA, o de PRESTAR CONTAS, o de LEALDADE, o de EFICIÊNCIA, o de FIDELIDADE e o de PROBIDADE (conduta ética).
EXEMPLO:
BINÔMIO PODER-DEVER: se determinado servidor comete corrupção passiva ou abandona o cargo (ausência intencional por mais de 30 dias consecutivos), tem a Administração a prerrogativa de apurar a infração e de aplicar a punição (poder disciplinar). Será essa apuração da infração uma prerrogativa ou faculdade? Pode o administrador escolher entre punir ou não punir o servidor? Claro que não! Temos aí o que chamamos de poder-dever de agir.
PODER VINCULADO
Os atos vinculados ou regrados são aqueles em que todos os elementos que os compõem encontram expressa previsão legal; ou seja, o órgão/entidade responsável pela prática do ato não goza de liberdade para implementação dos atos vinculados.
Onde houver vinculação, o agente público é um simples executor da vontade legal. A liberdade de ação do administrador é mínima. Um exemplo de poder vinculado é o da servidora pública que deu à luz um filho. Perceba que aqui não há margem de liberdade de ação para a Administração indeferir a licença gestante, e indeferir a licença paternidade do pai, se igualmente servidor público.
PODER DISCRICIONÁRIO
O poder discricionário é aquele em que o legislador atribui certa competência à Administração Pública, reservando uma margem de liberdade para que o agente público, diante da situação concreta, possa selecionar entre as opções predefinidas qual a mais apropriada para defender o interesse público.
Não é difícil perceber a impossibilidade de a lei prever todas as condutas a serem adotadas pelos administradores públicos, em face das situações concretas que se apresentam e que exigem pronta solução. Dessa maneira, a lei faculta ao administrador a liberdade de adotar uma dentre duas ou mais condutas hábeis, a qual deverá estar alinhada ao melhor atendimento do interesse público. Resulta-se, assim, o juízo discricionário por parte do responsável pelo ato.
O poder discricionário não se exerce acima ou além da lei, mas como toda e qualquer atividade executória com sujeição a ela.
O autor Celso Antônio Bandeira de Mello descrimina as inúmeras explicações apresentadas pelos administrativistas para a existência de competências discricionárias:
a) intenção deliberada do legislador: para alguns autores, a discricionariedade é uma técnica utilizada intencionalmente pelo legislador para transferir ao administrador público a escolha da solução mais apropriada para atender a finalidade da norma;
b) impossibilidade material de regrar todas as situações: ao legislador seria impossível disciplinar adequadamente a grande variedade de circunstâncias concretas relacionadas ao exercício da função administrativa, sendo mais razoável conferir competências flexíveis passíveis de adaptação à realidade dos fatos;
c) inviabilidade jurídica da supressão da discricionariedade: no regime da Tripartição de Poderes, o legislador está impedido de esgotar no plano da norma a disciplina de todas as situações concretas pertinentes aos assuntos administrativos, à medida que isso implicaria o esvaziamento das atribuições do Poder Executivo e a ruptura de sua independência funcional;
d) impossibilidade lógica de supressão da discricionariedade: por fim, o último e mais importante fundamento da discricionariedade é a impossibilidade lógica de o legislador excluir competências discricionárias, porque a margem de liberdade característica desse instituto reside na imprecisão e na indeterminação dos conceitos empregados pela lei para definir competências. Sempre que o legislador outorga uma competência, é obrigado a fazê-lo por meio de dispositivos legais traduzidos em conceitos jurídicos, cujo grau de imprecisão determina inevitavelmente a natureza discricionária da competência atribuída.
EXEMPLO:
Quando a lei afirma que a Administração deve proibir o uso de “trajes indecentes” em certos ambientes, a indeterminação inerente ao conceito de traje indecente abre margem de liberdade para o agente público avaliar em quais casos a proibição deve ser aplicada.
O poder discricionário tem sua relevância no que chamamos de conceitos jurídicos imprecisos e indeterminados empregados pelo legislador, como por exemplo, “boa-fé”, “bons costumes”, “interesse público”, “solução adequada”, “decisão razoável”. Cada um dos conceitos mencionados pode adquirir significados diferentes nas leis ou diante das situações concretas.
Na visão da maior parte dos estudiosos, a discricionariedade é resumida nos termos “conveniência” e “oportunidade”. A conveniência indica em que condições vai se conduzir o agente (o modo de agir deste); a oportunidade, ao momento em que a atividade deve ser produzida.
Ainda, importante destacar que a discricionariedade refere-se ao conteúdo dos atos administrativos, ou seja, dois de seus elementos, o MOTIVO e o OBJETO. Vejamos isso mais detalhadamente.
Os elementos ou requisitos do ato administrativo são cinco: competência, finalidade, forma, motivo e objeto. Para a doutrina majoritária, os três primeiros são sempre vinculados, ou seja, sobre estes o agente não possui liberdade quanto à decisão e à forma de agir[1].
Assim, a discricionariedade, quando existente, diz respeito aos dois últimos, motivo e objeto, que constituem, em essência, o mérito administrativo, presente nos atos discricionários.
Por fim, admite-se o controle judicial sobre o exercício do poder discricionário, exceto quanto ao mérito do ato administrativo. Isso porque o mérito do ato discricionário constitui o núcleo da função típica do Poder Executivo, sendo incabível permitir que o Poder Judiciário analise o juízo de conveniência e oportunidade da atuação administrativa, sob pena de violação da Tripartição de Poderes.
O Poder Judiciário pode analisar a discricionariedade, por exemplo, nos possíveis casos de contradição a princípios, como moralidade e eficiência, por exemplo, ou os que forem desproporcionais ou não pautados em critérios previstos em lei, sem que isso configure invasão ao mérito do ato controlado.
Ainda, alguns julgados têm reforçado a possibilidade de controle judicial sobre a implementação de políticas públicas. Entretanto, as decisões restringem-se a aceitar um controle de legalidade e razoabilidade na eleição das prioridades em que devam ser aplicadas as verbas públicas. Trata-se, em última análise, de uma revisão judicial de decisões violadoras de princípios administrativos, e não exatamente de controle específico do mérito das decisões adotadas pela Administração Pública.
[1] Segundo Hely Lopes Meirelles, são elementos sempre vinculados ou regrados: a COMPETÊNCIA, a FINALIDADE e a FORMA. E essa é a posição majoritária da doutrina, e, por isso, a linha seguida nos concursos públicos. Entretanto, na opinião de Maria Sylvia Zanella Di Pietro, são elementos sempre vinculados: a competência e a finalidade em sentido estrito, apenas.
Conceito
Os poderes administrativos são concedidos por lei (regra), destinando-se a instrumentalizar o administrador público para o atingimento do objetivo finalístico a que se presta o Estado: a satisfação dos interesses públicos.
Poder vinculado
Os atos vinculados ou regrados são aqueles em que todos os elementos que os compõem encontram expressa previsão legal; ou seja, o órgão/entidade responsável pela prática do ato não goza de liberdade para implementação dos atos vinculados.
Poder discricionário
O poder discricionário é aquele em que o legislador atribui certa competência à Administração Pública, reservando uma margem de liberdade para que o agente público, diante da situação concreta, possa selecionar entre as opções predefinidas qual a mais apropriada para defender o interesse público.
O poder discricionário tem sua relevância no que chamamos de conceitos jurídicos imprecisos e indeterminados empregados pelo legislador, como por exemplo, “boa-fé”, “bons costumes”, “interesse público”, “solução adequada”, “decisão razoável”. Cada um dos conceitos mencionados pode adquirir significados diferentes nas leis ou diante das situações concretas.
Na visão da maior parte dos estudiosos, a discricionariedade é resumida nos termos “conveniência” e “oportunidade”. A conveniência indica em que condições vai se conduzir o agente (o modo de agir deste); a oportunidade, ao momento em que a atividade deve ser produzida.
A discricionariedade refere-se ao conteúdo dos atos administrativos, ou seja, dois de seus elementos, o MOTIVO e o OBJETO.
Admite-se o controle judicial sobre o exercício do poder discricionário, exceto quanto ao mérito do ato administrativo. Isso porque o mérito do ato discricionário constitui o núcleo da função típica do Poder Executivo, sendo incabível permitir que o Poder Judiciário analise o juízo de conveniência e oportunidade da atuação administrativa, sob pena de violação da Tripartição de Poderes.